Rematerializar as Lãs Transmontanas
Uma das componentes do projeto “Cultura para Todos” em Vinhais que nos deu mais prazer produzir foi, sem dúvida, este mostruário das lãs das 5 raças de ovelhas autóctones transmontanas processadas.
Para que serve a lã de uma churra bragançana? E de uma Badana? Como é o seu fio? E se a feltrarmos ou tecermos, como se comporta?
Era este um dos grandes objetivos do projeto, trabalhar apenas com as lãs das raças locais e mostrar o seu potencial, quando e se trabalhadas por mãos que sabem, revelando e mostrando à comunidade o potencial de lãs que os rodeiam.
Não é a primeira vez que fazemos este tipo de trabalho, afinal de contas já desenvolvemos um estudo sobre as lãs portuguesas no âmbito do qual produzimos um mostruário similar, mas este foi mais focado numa tipologia específica de lãs portuguesas, e amostras também são mais refinadas e de maior escala.
A imagem de ovelhas pelos campos é algo comum na região, mas raramente é feita a ligação entre o material que estes animais carregam no seu corpo e o resultado prático do seu processamento, mesmo (ou especialmente) pelos próprios produtores. É curioso como, atualmente, se trata de uma matéria-prima totalmente desconhecida.
A discussão sobre a razão pelas quais estas lãs se encontram tão desvalorizadas e sem potencial reconhecido ficará para outro momento. Este post serve hoje para vos mostrar esta parte do nosso trabalho e aproveitar para falar brevemente de cada uma das lãs.
Os velos a partir dos quais foram produzidas estas amostras foram selecionados e recolhidos pela Alice Bernardo durante 2022, todos provenientes de rebanhos registados nos respetivos Livros Genealógicos.
O processamento foi, claro, realizado pela nossa equipa. A nossa experiência com estas lãs específicas permitiu-nos trazer ao de cima o que têm de melhor e assegurar bons resultados. A A lavagem e cardação foi realizada cá no Saber Fazer pela Ingrid Emim. A penteação, apenas para as Bragançanas, foi realizada pela Alice Bernardo. Fiação pela Alice e pelo Jorge Pinheiro. Tecelagem pelo Fernando Rei. Feltragem pela Ana Rita de Albuquerque.
A lã Churra Badana
A Churra Badana produz um velo extenso, mas aberto, com bastante gordura. As suas madeixas são pontiagudas e com algum pêlo de tonalidade ruiva, compostas por fibras heterogéneas, relativamente longas e lisas. Tem um toque encorpado, com uma certa suavidade e brilho que será acentuado se a lã for penteada em preparação para a fiação.
Compensa a falta de finura com resistência e durabilidade, sendo por isso uma boa opção para utilização em peças que estejam sujeitas a desgaste e esforço, como tapetes e mantas, mas também em vestuário exterior construído com tecidos mais estruturados.
Na feltragem revela a sua rusticidade, compactando lentamente mas consistentemente. Necessita de muito batimento e movimento para reduzir efetivamente.
A sua ligeira tonalidade avermelhada dá um resultado plástico interessante, tanto na fiação como na feltragem.
A lã Churra Galega Bragançana Branca
A Bragançana Branca produz um velo pequeno e irregular, característico por não cobrir a cabeça, peito, barriga, nem pernas, assemelhando-se a um capote pousado sobre as costas do animal. Chegada a Primavera, a Bragançana tem tendência para começar a largar naturalmente a sua lã, característica mais própria dos ovinos selvagens que de um ovino domesticado. Por esta razão, à medida que a Primavera avança, os seus velos vão ficando mais reduzidos e é comum encontrarmos animais já sem lã para tosquiar nos meses de Maio e Junho.
O velo é composto por madeixas pontiagudas, com fibras de comprimento mediano, com uma ondulação larga e desorganizada na base.
A lã Bragançana apresenta um desafio, que é a existência de pêlo a par com as fibras da lã: quando simplesmente cardada, apresentará resultados menos interessantes. Para a fazer brilhar, precisa de ser penteada, processo que separa o pêlo da lã e deixa à vista fibras que nos surpreendem pela sua suavidade e brilho - para lã churra.
Dependendo do animal ou rebanho em questão, e dado que é uma questão genética, podemos encontrar velos com pêlo cábreo significativo. No entanto, pela nossa experiência, é possível selecionar velos sem este tipo de fibra indesejada e a sua redução no efetivo é uma questão de seleção genética.
A lã Bragançana tem um toque encorpado e, quando penteada, é das lãs mais finas dentro do grupo das churras.
Será perfeitamente adequada para peças de vestuário que não fiquem em contacto directo com a pele e que exijam um pouco mais de estrutura ou resistência na sua utilização.
Na feltragem, é uma lã bastante reativa ao sabão mas de compactação lenta. Feltra a partir do interior, com fibras soltas à superfície. Depois de feltrada, reduz rapidamente. Revela potencial para utilização escultórica em formas largas.
A lã Churra Galega Bragançana Preta
A lã Bragançana Preta apresenta características semelhantes à sua contraparte Branca, descritas acima. No entanto, pelas amostras que temos recebido desde 2015, é da nossa opinião que a Bragançana Preta apresenta, em média, fibras mais delicadas e de melhor qualidade. Tal como a Branca, apresenta algum pêlo, pelo que se mantém a sugestão de a pentear, em vez de cardar.
A lã Churra Galega Mirandesa
Apesar do seu pequeno porte, a Churra Mirandesa produz um velo extenso e pesado, composto por madeixas pontiagudas com alguma gordura na base.
Existe alguma variação dentro da raça, sendo que encontramos animais com lã um pouco mais curta e fina e outros com madeixas bastante longas e espessas. Apesar de existirem animais com bastante presença de pêlo morto, nesta raça existem belos exemplares do padrão da raça que exibem velos sem vestígios de pêlo morto.
De todas as churras, a lã Mirandesa é das mais suaves, tornando-a uma lã relativamente versátil. É mais adequada para peças que exijam fibras resistentes e duráveis, mas também para peças de vestuário que não estejam em contacto direto com a pele.
Na feltragem é a mais domesticada das churras, revelando óptima estabilização e uma redução bastante rápida e com corpo. O seu processo de feltragem é fluido e evolutivo. Este comportamente está dependente, claro, da utilização de lã de boa qualidade e sem presença de pêlo morto, o que dificultaria o processo.
A lã Churra da Terra Quente
A Churra da Terra Quente produz um velo extenso, com madeixas muito compridas e pontiagudas, sempre de tom amarelado e fibras espessas. Tal como uma das suas progenitoras, a Mondegueira, as suas madeixas têm duas camadas de fibras: umas mais longas, espessas e lisas, e outras mais curtas, na base da madeixa, um pouco mais finas e até com um pouco de ondulação.
A lã desta raça é áspera e baça, de personalidade agreste.
A fiação torna-se difícil, com fibras longas e duras que resistem à torção. De todas as lãs portuguesas, esta será a que possui fibras mais grosseiras e difíceis de trabalhar, exigindo criatividade na sua utilização. Destaca-se a sua resistência e durabilidade, bem como o caráter plástico das suas madeixas para serem usadas tal como saem do velo, por exemplo na tapeçaria.
No processo de feltragem tem baixa capacidade de redução, exigindo algum trabalho para construir um têxtil. Dado que os seus velos têm madeixas expressivas, a feltragem dos velos em bruto têm geralmente resultados muito plásticos.