Tingir com índigo fresco
Na Primavera deste ano, lá na Quinta de Serralves, deu-se início à criação de um jardim de plantas tintureiras. Passei algum tempo a estudar e a seleccionar as que achava que seria interessante cultivar, não só para as podermos ver ao vivo, mas também para usar nas oficinas e em experiências várias. O jardim este ano era mesmo pequeno, o tempo disponível também foi curto, e não nos conseguimos expandir tanto como gostaríamos, mas naquele talhãozinho da horta da quinta já vivem diversos exemplares de índigo japonês (persicaria tinctoria), juntamente com pastel-dos-tintureiros (isatis tinctoria) e mais algumas tintureiras.
A quantidade de índigo que cultivamos é pequena e insuficiente para começar sequer a pensar em extrair pigmento para estudar o processo, portanto já tinha posto de lado a ideia de fazer fosse o que fosse com ele. O objectivo deste ano era apenas colher as sementes para podermos cultivar uma área mais significativa em 2017, já que as sementes de índigo são conhecidas por terem pouca longevidade e assim não ia poder usar as que me sobraram deste ano.
Entretanto, em conversa com a Guida e em preparação da Oficina de Tinturaria Natural que se aproximava, lembrei-me que nas minhas pesquisas já tinha lido sobre tingir com as folhas de índigo frescas, acabadas de colher, e decidimos que não havia nada como experimentar. Afinal, ter acesso a plantas de índigo, ainda para mais cultivadas por nós (ou mais pela Carlota) é raríssimo e não fazer algumas experiências com elas enquanto as tínhamos na terra, seria uma pena.
Acabei por fazer uma pesquisa rápida pelos diversos métodos que encontrei, bastante semelhantes entre si, e optei por seguir especificamente o do Rowland Ricketts, que podem encontrar aqui.
Para se perceber o quão especial foi para nós tingir com índigo pela primeira vez, é preciso saber que, no campo da Tinturaria Natural, a cor azul é provavelmente a mais difícil de obter. Há poucas plantas que nos podem fornecer esta cor e a extracção do pigmento é relativamente complexa e demorada, assim como é complexo o tingimento utilizando o pigmento que já foi complexo de extrair em primeiro lugar.
Relativamente ainda ao índigo, existem diversas variedades desta planta, mas eu optei por cultivar o japonês (persicaria tinctoria) por achar que talvez se adaptasse melhor ao nosso clima temperado. Dados os poucos cuidados que as plantas receberam e olhando para a forma como cresceram, bem como para o resultado que tivemos das nossas experiências tintureiras, acho que se dão bem por cá!
Voltando ao tingimento com folhas frescas, não só achava que não teríamos muitas folhas com que trabalhar, como achei que não teríamos grandes resultados porque sabia que as folhas já tinham passado da época ideal para colher. Por esta altura já todas as plantas estão a florir.
O método das folhas frescas, para contrastar com o da extracção do pigmento e posterior tingimento, é bastante simples e directo, principalmente para as fibras de origem animal. Para se tingir fibras de origem vegetal é preciso fazer um segundo passo, acrescentando um par de ingredientes para alcanizar e remover o oxigénio da solução, utilizando o resto das folhas deste processo que fizemos para a lã e seda (ver nas instruções do Rowland).
Este método não produz azuis escuros e fortes, porque estamos a usar muito menos folhas do que aquelas que foram reduzidas para se produzir o pigmento concentrado. Como se vê, não estamos a usar o pigmento puro, mas sim as folhas que contêm algum pigmento: uma planta de índigo contém entre 0.2 e 0.8% de pigmento, só para se ter uma ideia da quantidade de plantas que são necessárias para produzir uma quantidade de pigmento de índigo que se veja (!).
Para as fibras de origem animal, este processo consiste basicamente em colher folhas frescas, picá-las numa liquidificadora com alguma água, coar o líquido para que as folhinhas picadas não sujem as fibras, mergulhar as fibras naquele líquido que coamos, esperar 10mn mexendo constantemente, tirar as fibras do líquido para entrarem em contacto com o ar e enxaguar bem.
Ainda tenho de perceber melhor as reacções que permitem que as folhas frescas tinjam de forma tão eficaz as fibras de origem animal, mas para já sei que ao picarmos as folhas na liquidificadora estamos a decompôr o indican, um percursor incolor do índigo, e esta decomposição produz o indoxyl que ao entrar em contacto com o oxigénio do ar se transforma em índigo de cor azul. Durante o processo de liquidificação é introduzido bastante oxigénio na mistura das folhas picadas, o que faz com que a solução fique imediatamente de cor azulada, como se pode ver nas imagens. Ou seja, ao picarmos as folhas de forma tão intensa, estamos a transformar o indican em indoxyl e a converter este em índigo, em simultâneo.
Os tons de azul produzidos, embora variem muito de acordo com a fibra que estamos a usar, são absolutamente maravilhosos! E podemos sempre fazer várias imersões para criar tons mais escuros.
Agora, claro que o facto de só poder usar folhas frescas para este processo de tingimento é uma limitação severa, porque só poderia usar o índigo quando fosse a época dele. É por isso que se opta por extrair o pigmento, que pode ser guardado indefinidamente para ser usado quando bem entendermos e, claro, comercializado.
Ainda assim, produzir azul de forma tão rápida e fácil, com a planta mesmo ao lado, é qualquer coisa de absolutamente maravilhoso e foi um privilégio poder fazê-lo múltiplas vezes durante este fim-de-semana com quem participou nas oficinas de Tinturaria Natural do Saber Fazer em Serralves.
This spring, in Serralves farm we started a small dyer's garden, with the purpose of having a few live varieties to show and maybe use in the workshops and experiments. This year the garden was really small, we didn't have much time to dedicate to this part of the project, but we managed to grow a few interesting plants, like japanese indigo, woad and a few others.
The amount of indigo we grew was not enough to do anything, so I was just aiming at collecting the seeds to use next year, as indigo seeds are known for being short-lived. But then I started planning the Natural Dyeing workshop that happened last weekend with Guida, and when talking about the indigo plants with her I remembered having seen several methods for dyeing with fresh indigo leaves, instead of having to start a indigo vat.
And having these plants growing right there, it would be a shame not doing any experiments with it. After all, it was actually the first time we had real indigo plants at hand.
Doing a quick research through several methods, I ended up following Roland Ricketts method, that can be found here.
His fresh leaves dyeing method is actually quite simple. It consists in picking fresh leaves, blending them with very cold water, straining this fluid to a clean container and using it as a dye bath, submerging the protein based fibers for a few minutes before exposing to the air and rinsing.
The shades of blue we got are absolutely beautiful and being able to dye our fibers blue, which is such a difficult color to obtain through natural dyeing, using such a simple method and the plants we grew in Serralves, was amazing!