Da maceração do Linho (pt1)

 

Depois da colheita, vem a Maceração (também chamada de "curtimenta" ou "alagamento"), o processo através do qual vamos separar as fibras do linho da parte lenhosa do caule,  ou "aresta", como é mais frequentemente chamada por quem trabalha o linho tradicionalmente. Este processo é dos que mais contribui para mantermos a qualidade e beleza da fibra que estamos a produzir. Ou então para a arruinar, se não for bem feito.
Há várias formas de o fazer, mas nós usamos um método natural de fermentação que é o mais tradicional em Portugal e que consiste em submergir os caules em água durante um certo período de tempo. Dentro da água vai ocorrer um processo fermentativo, realizado pela flora microbiana que existe naturalmente nos caules, que vai decompôr as substâncias pécticas que unem as fibras do linho aos outros tecidos e também os feixes de fibras entre si.
Até aqui parece tudo muito simples, mas sendo um processo natural realizado num local sem condições controladas, há muitas variáveis que podem afectar o processo e que não conseguimos controlar nem medir com rigor. É que no final de uma boa maceração, queremos obter os feixes de fibras, no seu comprimento total que será o do caule, completamente "descolados" da parte lenhosa e separados entre si, mas não queremos que o processo avance até tal ponto que as fibras se quebrem nas suas porções mais elementares ou, pior ainda, que os caules apodreçam e que outros microorganismos comecem a digerir a celulose de que é feito o nosso precioso linho.

After the harvest, comes the retting. This process, put in a simple manner, is used to separate the flax fibers from the wooden core of the stalk, and it is one of the phases that most contributes to the quality and beauty of the fiber, or to ruin it if it is not done properly.
There are several methods to do theretting, but we use a natural fermentation method that is the most traditionally used in Portugal and that is done simply by submerging the stalks in water during a period of time. In the water the fermentative process will occur, carried out by the microorganisms that exist naturally in the stalks, and that will decompose the pectic substance that binds the flax fibers and the wooden core together.
It sounds pretty simple, but the problem is that being a natural process done in a place where the conditions are not controlled, there are many variables that can influence the process and that we can not control or measure accurately. At the end of a properly doneretting process, we should have the phloem, in their total length, completely loose from the wooden core, but we don't want the process to go so far as to break the fibers in their most elemental portions or, even worse, let the stalks rot. 

 
 

Falhar nesta fase é muito fácil, principalmente quando fazemos o processo num sítio novo pela primeira vez, como é o nosso caso no Parque da Devesa. Para termos a certeza do tempo que o linho deve levar debaixo de água, neste tanque específico, e se as condições são boas, só depois de o fazermos uma primeira vez e analisarmos os resultados. Ou seja, só com experiência. Na verdade, só iremos ter a certeza se o tempo de maceração foi o correcto ou não quando o linho entrar no engenho e vermos como reage à moagem.
Ainda assim, para quem faz um processo destes pela primeira vez, e mesmo para quem já é experiente, há um par de testes que podemos realizar uns dias após a maceração (6 ou 7) e que nos podem ajudar a decidir se o linho deve ser retirado ou deixado na água mais uns dias.
Um dos testes, que é utilizado tradicionalmente e que também já me foi transmitido pela D.Teresa Frade, que sempre cultivou linho, e também pelo Sr.Abílio, consiste em pegar em vários caules de diferentes molhos, fazer um cadilho com cada um e atirá-los novamente à água. Se a maior parte for ao fundo, estará na altura de retirar o linho da água. Se a maior parte flutuar, a maceração ainda não estará terminada. Gosto deste teste porque nos permite fazer uma amostragem de diferentes palhas de diferentes molhos e ter uma ideia de como está a correr o processo.

Failing at this phase is not very difficult, especially when the process is being carried out in a new location for the first time, like we're doing in Parque da Devesa. To be sure of the time the flax should be kept underwater, in this specific tank, and if it has the right conditions, we can only know it for sure after doing the process for the first time.
Even so, if we're doing it for the first time there's a couple of tests we can do a few days after the retting process has started (6 or 7) and that can help us decide if it should be taken out or left for a few more days.
One of the tests, that is also used traditionally and that I learned from
Teresa and also from Abílio, consists in taking several stalks from different bundles, tying them in a knot and throwing them into the water again. If most of them float, the process is not over yet. If most of them sink, it is time to put the flax out to dry.

 
Cinco palhas retiradas ao acaso dos molhos que estavam há 6 dias no tanque. / Five stems randomly taken from the bunches that were submerged in the tank for the retting process.

Cinco palhas retiradas ao acaso dos molhos que estavam há 6 dias no tanque. / Five stems randomly taken from the bunches that were submerged in the tank for the retting process.

Todos os caules afundaram, pelo que decidi retirar o linho do tanque. / All of the stems sunk, so I decided to remove the flax bunches from the tank.

Todos os caules afundaram, pelo que decidi retirar o linho do tanque. / All of the stems sunk, so I decided to remove the flax bunches from the tank.

 

O segundo teste, que me foi ensinado pela D.Fátima, consiste em pegar num caule (ou vários, se também quisermos ter uma pequena amostragem) e fazer deslizar a mão para testar a facilidade com que as fibras se soltam da parte lenhosa. Os feixes de fibras estão localizados no exterior, rodeando a parte lenhosa, portanto é fácil de perceber que se a camada exterior sair facilmente é porque está já separada do interior. Mas atenção que as fibras também deslizam se estiverem demasiado maceradas, o que quer dizer que temos de começar a fazer este teste bem antes do final do processo (5/6 dias), e continuar a fazê-lo até reconhecermos o ponto certo. 

The second test, that I learned from Fátima, consists in taking a stalk in your hand and making your thumb and index slide tightly up to the top. If the outer layer, which is basically comprised of flax fibers, slides off easily, then it is separated from the wooden core and the retting is done. Please note that the fibers will also slide off if they are over retted, so this test should be done frequentely, starting 5/6 days after the beginning, when the fibers won't slide, and done until they do, taking the flax immediately out.

 
Colocamos os dedos na base de alguns caules que estejam no tanque e fazemo-los deslizar até ao topo. / We place our fingers on the bottom of the stalk and slide them up to the top.

Colocamos os dedos na base de alguns caules que estejam no tanque e fazemo-los deslizar até ao topo. / We place our fingers on the bottom of the stalk and slide them up to the top.

 
Se a camada exterior, que é basicamente composta pelos feixes de fibras, se soltar facilmente da parte lenhosa, então está na altura de retirar o linho da água. / If the exterior layer, which is basically composed of flax fibers, comes off easi…

Se a camada exterior, que é basicamente composta pelos feixes de fibras, se soltar facilmente da parte lenhosa, então está na altura de retirar o linho da água. / If the exterior layer, which is basically composed of flax fibers, comes off easily from the wooden core, then it is time to remove the stalks from the water.

 

De forma geral, a maceração leva uns 8 dias no mínimo, se for realizado num tanque com alguma dimensão, com alguma renovação de água. Se estiver a fazer este processo pela primeira vez, é para esta duração que aponto. Se estiver insegura, prefiro tirar o linho demasiado cedo do que demasiado tarde. Se o linho estiver pouco macerado vai ser mais difícil de trabalhar, mas pelo menos a fibra está inteira. Se me enganar por excesso de tempo, posso acabar com linho decomposto em fibras mais curtas ou, pior ainda, podre. A qualidade da água também é determinante: quanto mais limpa, melhor decorrerá o processo e mais claro resultará o linho.
Depois de terminado o processo, o linho é retirado da água e colocado a secar. Há quem o lave antes de o colocar a secar, para remover a água "suja" e separar melhor os caules, o que ajuda a branquear as fibras.
Os molhos devem ser imediatamente desfeitos e o linho espalhado directamente sob o sol (ou no chão, ou em pilhas na vertical). A secagem demorará, no mínimo, outros 8 dias, mas provavelmente mais alguns. É fácil ver quando é que o linho está bem seco, amassando algumas palhas para ver se a aresta se parte facilmente e sem empapar.
A Maria das Dores mostra como se faz isso neste vídeo.

Generally, retting will take 8 days minimum, if done in a big tank with flowing water. If I'm doing it for the first time somewhere new, this is the time I'm aiming for. If I'm not very sure, I'll rather take the flax out sooner than later. If the flax is not retted enough, it will be harder to process, but at least the fiber will be whole. If it is over retted, I'll end up with smaller fibers or, even worse, rotten flax.
After the retting is done, theflax is removed from the water and placed to dry. In some places the stalks are washed first, to remove the "dirty" water. This helps to whiten the fibers.
The bunches must be immediately opened and the stalks spread on the ground or in
vertical piles, to dry. Drying will take at least another week, but probably a few more days. It's easy to check if the flax is well dry, just by grinding the stalks with your hand and checking if the wood brakes easily and clearly.

 
 
 

Algumas notas: também é possível deixar os caules secar logo a seguir à colheita, antes de procedermos à maceração. Como isso implica mais um compasso de espera, é algo que não tem interesse dentro do contexto em que fazemos o nosso cultivo, mas pode ser útil quando temos algumas limitações. Por exemplo, quando não podemos macerar todo o linho de uma só vez ou então queremos guardá-lo para mais tarde. Neste caso, com os caules secos, penso que a curtimenta demorará naturalmente mais uns dias do que quando esta se inicia imediatamente com os caules frescos.
Também se pode realizar o processo de maceração deixando o linho estendido no campo onde se colheu, em vez de o submergir em água completamente, deixando-o macerar através do orvalho. Aliás, esta técnica será, porventura, a mais conhecida. É mais útil para quem não tem um local com água que possa utilizar para o processo e é mais fácil de controlar o "ponto certo" por ser um processo muito mais lento. Mas por levar muito mais tempo e por exigir mais acompanhamento não é tão prático para mim, que prefiro tê-lo num tanque 8 dias e ter o processo feito.

A few notes: it is also possible to dry the flax immediately after harvesting, before retting. Since this implies waiting a few more days before carrying on with the process, it has no interest for us, but it could be useful if you have a few limitations. For instance, if you can't rett all the flax at once or if you just want to do it at a later time.. If the retting is done using the dry stalks, I believe it will take a couple more days than if done using fresh stalks from the start.
Also, there's also the option for dew retting, which is a more known method. It is more useful if you don't have a place with running water to do the water retting, and it is easier to achieve the "right spot" because it is a much slower process than the one I described earlier. But exactly for taking a lot more time and demanding more attention, it is not as practical for me. I prefer to put it in the tank and get the process over with in 8 days.

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